NOTA DE REPÚDIO
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO
Portaria Nº 1.129, de 13/10/2017
A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) publicou seu repúdio à Portaria Nº 1.129, publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de outubro de 2017, e que “dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo”.
O Brasil foi um país com abolição tardia da escravidão e o último das Américas ao fazê-lo, efetivando-a apenas em 1888, sem as devidas medidas compensatórias ou de proteção social para os recém-libertos. A tolerância política, social e cultural com as condições de trabalho degradantes, insalubres e perigosas, acabou contribuindo para a perpetuação do trabalho escravo ou análogo à escravidão ao longo do último século.
Mais recentemente, o Brasil se dedicou a construir políticas para mudar este cenário, em especial com a participação da Comissa?o Nacional para Erradicac?a?o do Trabalho Escravo (CONATRAE[1]), o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo[2], as ações da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) e a transparência da publicação da chamada “lista suja”[3]. Por isso, o país já foi reconhecido como uma referência no tema pela Organização Internacional do Trabalho[4].
Infelizmente, as conquistas das últimas décadas foram colocadas em risco pela Portaria Nº 1.129[5]. Nela, o Ministério do Trabalho adota uma conceituação mais restritiva para a caracterização do trabalho análogo à escravidão, impõe uma série de exigências burocráticas que devem ser atendidas pela fiscalização e politiza a publicação da “lista suja”. De acordo com a nova portaria, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, “a organização do cadastro ficará a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), mas a divulgação será realizada por determinação expressa do Ministro do Trabalho” (grifo nosso).
Ainda pior, o Ministério do Trabalho passa a exigir a comprovação da existência do cerceamento de liberdade para a caracterização de ”condições degradantes” e de ”jornada exaustiva”. Exige também que fique caracterizado o não consentimento do trabalhador para a caracterização do trabalho análogo à escravidão, como se isso pudesse ser facilmente comprovado. Finalmente, exige que uma autoridade policial participe da fiscalização a fim de lavrar um boletim de ocorrência o que, além de retirar dos auditores-fiscais do trabalho a caracterização sobre a existência de trabalho escravo, burocratiza seu reconhecimento e cria dificuldades desnecessárias para eles.
Ações de enfrentamento e de prevenção, informação aberta à sociedade e ações específicas de repressão econômica como, por exemplo, a proibição de financiamento público a pessoas físicas e jurídicas condenadas por exploração de trabalho escravo, fazem parte de uma estratégia internacional para a erradicação desta prática. Tais medidas foram adotadas com êxito pelo Brasil e, agora, encontram-se ameaçadas.
Pouco mais de seis meses nos separam dos 130 anos da abolição da escravatura e, considerando o atual cenário, não temos muitos motivos para celebrar. Por isso, a ANAMT repudia a publicação da Portaria Nº 1.129 e conclama toda a sociedade a se posicionar contra os interesses econômicos que dificultam o combate a essa nefasta prática em nosso país. Mais do que um retrocesso na luta histórica pela erradicação do trabalho escravo, a Portaria Nº 1.129 é um insulto a todos os brasileiros que defendem o trabalho digno e decente.
ANAMT